sábado, 25 de julho de 2009

Matilde

A casa vazia foi um retrato do declínio familiar; mobília encaixotada, a porta fechada e ninguém para o ver o que não havia para ser visto. [O ultimato do fracasso,a derrota de quem nunca soube lutar.] A tinta mais forte onde o sol não castigou as paredes, contorno de um quadro que hoje é lembrança inexistente. Grafite que gravou palavras sem sentido num tijolo escondido em um canto esquecido de um quarto que hoje em dia ninguém lembra. [Quando pequena gravei meu nome, de trás para frente, na parede. Escrevi do meu jeito gauche, um traço torto e esquerdo de quem nasceu pra ser do lado avesso na vida.] A porta quebrada que nunca foi consertada. Madeira frágil, com farpas delicadas que provocaram um corte nos dedos miúdos da menina que chora. Verte lágrimas sem dor, porque o que doeu saiu pela porta; rumou por um caminho escuro, iluminado por faróis tão ébrios quantos os olhos que os guiavam. [Justifica-se a derrota quando o topo da cabeça não alcança a cintura do oponente?] Janelas enormes, com vidros coloridos e esquadrias sem cor. Lembranças postiças e disformes daquilo que veio depois. Gosto de triunfo na escada que deu dois pisos à casa. [Um sonho realizado de menina burguesa, uma fortuna imaginária de quem sempre foi sem poder ser.] Um terreno tão grande, um deserto que vai tão longe e ao horizonte do último olhar se exclui. E no fundo impera imponente o castelo, a casa de fundações fracas (ou fracassadas?)[Era nada, era nossa. Era nossa, era tudo.]