segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

CULPA

Subiu lentamente com as duas mãos até a garganta. Tocou de leve, acariciou; tocou os olhos , foi passando os dedos levemente pela boca e depois em toda a face, brincou com os cabelos. Bem do jeito que ela gosta. Aproximou seu rosto do dela, sentiu seu cheiro doce e sussurrou no seu ouvido. Seu toque era delicado como um beijo suave. Desceu lentamente com as duas mãos até a garganta. Sufocou-a, apertou seu pescoço tremendo, cobriu a boca para abafar-lhe o grito. E aos prantos, foi a boca de quem sufoca que gritou.
Um corpo apertado contra o outro era como uma língua de fogo. Sentir o toque fazia arder lugares que ela nem imaginava existir. E seu sopro era como uma ventania que fazia as chamas se alastrarem, destruindo tudo que havia pela frente. Quando o fogo sumia restavam as cinzas, e toda aquela fumaça fazia os olhos se perderem em lágrimas. O incêndio acabou com tudo; gotículas sofridas acabaram com o incêndio.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Sinto um gosto acre na garganta, foram os cigarros – fumaça etérea que eu traguei de ti, Maria. Tens um gosto amargo, o gosto culpado da minha volúpia. Um gosto bom? Fiz-te um sopro, não posso te tocar. Sinto o teu cheiro na ponta dos meus dedos e com a palma da minha mão aberta eu tento te alcançar; és quente, és pesada, és cheia de tons. No entanto, te falta o tato: acompanho tuas curvas somente com meus olhos. Me envolve, me seduz, me envolve, me seduz, me envolve. Estou cinco vezes encantada e não consigo te moldar, etérea Maria.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

No I in threesome

Este é um jogo para dois. E quem eu quero, não quer jogar comigo. Não há espaço para um terceiro, mas eu insisto.
No jogo eu roubo um beijo. Os lábios são tão doces que eu podia jurar serem feitos de mel, mas o gosto que ela sente é azedo. Meu coração bate descompassado, o dela bate seguindo a cadência de uma música triste. O seu corpo me é desejo, o meu lhe é monotonia.
Palavras de amor jogadas ao vento, confissões ditas ao pé do ouvido de ninguém, rosas enviadas sem destino.
Não adianta, as regras devem ser seguidas. Não sobrou espaço, terminei por jogar sozinha.



Texto do primeiro semestre de 2008.

Borderline

Ela abre os olhos. O banheiro é frio, branco. Sentada no chão, ela respira fundo, as lágrimas escorrendo, fecha os olhos, morde o lábio, fura o braço, rasga. O sangue escorre lento, carregado de veneno, carregado da dor. Seus pais não sabem lidar com ela, seus amigos lhe deram as costas, ele namora outra guria, ele não gosta dela.
Entre as quatro paredes insípidas, ninguém se importa. O grito bate e volta. Não ecoa em lugar nenhum, não é ouvido por ninguém. A dor palpita dentro dela pedindo para sair. O alivío se encontra na faca. Um corte lento, mais uma cicatriz.
Ela abre os olhos. Tudo igual, ela esperava mais, o alívio já se foi. Era só isso? Não passou, não passou... Sentada no chão ela respira fundo, as lágrimas escorrendo, fecha os olhos, morde o lábio, fura o braço, rasga.



Texto do primeiro semestre de 2008.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

OFF

Por que tenho eu de abortar as minhas palavras? Temos aqui somente abortos, fetos mal formados de palavras feias e incompletas. A partir de hoje, hei de gestar as minhas palavras; não quero um feto, quero um texto. A juventude nos leva a inconsequência; amadureci: preciso deixar se formar o embrião.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O que eu queria te dizer, mas não vou:

Dez centímetros, dois centímetros, nenhum centímetro: meu lábio colado no teu; tua boca que devora a minha boca, teu gosto misturado com o meu. Minhas mãos abraçando o teu corpo que é tão meu, teus seios pousados nos meus. Troca de beijos, troca de carícias, troca de lascívia, troca o meu espírito pelo teu. Um gemido bandido; tu cobres a minha boca, me silencia que eu quero gritar pra todo mundo que hoje o meu mundo é todo teu.

Teu segredo é o meu pecado; no entanto, não me deves nada e eu não devo nada a ninguém.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Para me expurgar:

"Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento."

Pablo Neruda

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Vou contornando as linhas do teu rosto, vou me perdendo passo a passo nos teus traços. Viajo através dos teus olhos; me perco em minhas lembranças, me encontro em teus detalhes. Quisera eu que teus lábios fossem o meu mapa, que o meu caminho me levasse a ti.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Canela, 22 de Novembro de 2008

Caro Wilhelm,

Neste caderno antigo vejo as marcas de meu passado. Posso vê-las e posso sentí-las. No entanto, sou incapaz de decifrá-las, lhes falta a tinta, ficaram somente os sulcos no papel. E assim, aquilo que deveria ser eterno, perdeu-se. Como eu também me perdi. Sou somente um espectro do que fui e incapaz de decifrar-me. Aqueles que eram capazes de ler-me enquanto palavras, hoje sentem minha falta. Mas eu estou aqui, gravada como os sulcos do papel. E também, como faço agora nesta folha, me escrevo em novas palavras. Escrevo com tinta e mão firme, com o intuito de que não se percam.
Ainda me julgo despreparada para decifrar este discurso supostamente eterno, então apenas rezo para que este não fuja de meu alcance, deixando mais uma vez somentes marcas invisíveis.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Era a primeira vez que passávamos uma noite juntas. Fizemos amor? Não, ela estava comigo somente em um breve sonho que tive. Ainda sim, a lembrança faz meu coração palpitar de uma forma estranha. Atenho-me àquelas cenas certa de que foram uma coisa real. Sinto aquele arrepio ao pensar no gosto, no toque, no cheiro. E nem sei quais são. No entanto, pensei nisso durante o dia inteiro, e ainda com uma certa nostalgia. Eu quero mais, eu preciso de mais! Mais o que? Não tive nada.

Quanto tempo leva para que um amor seja esquecido? Ouso até mesmo dizer: quanto tempo leva para que um amor seja substituído? Ao tentar esvaziar a minha mente, hoje, o que restou foi ela. E o seu sorriso que eu desconheço, a sua voz que eu nunca ouvi, o seu jeito que não me é familiar. Mas foi ela, o seu nome e a minha vontade. Os ecos do passado já não encontram os meus ouvidos. Hoje, ela tomou conta de mim.

sábado, 25 de julho de 2009

Matilde

A casa vazia foi um retrato do declínio familiar; mobília encaixotada, a porta fechada e ninguém para o ver o que não havia para ser visto. [O ultimato do fracasso,a derrota de quem nunca soube lutar.] A tinta mais forte onde o sol não castigou as paredes, contorno de um quadro que hoje é lembrança inexistente. Grafite que gravou palavras sem sentido num tijolo escondido em um canto esquecido de um quarto que hoje em dia ninguém lembra. [Quando pequena gravei meu nome, de trás para frente, na parede. Escrevi do meu jeito gauche, um traço torto e esquerdo de quem nasceu pra ser do lado avesso na vida.] A porta quebrada que nunca foi consertada. Madeira frágil, com farpas delicadas que provocaram um corte nos dedos miúdos da menina que chora. Verte lágrimas sem dor, porque o que doeu saiu pela porta; rumou por um caminho escuro, iluminado por faróis tão ébrios quantos os olhos que os guiavam. [Justifica-se a derrota quando o topo da cabeça não alcança a cintura do oponente?] Janelas enormes, com vidros coloridos e esquadrias sem cor. Lembranças postiças e disformes daquilo que veio depois. Gosto de triunfo na escada que deu dois pisos à casa. [Um sonho realizado de menina burguesa, uma fortuna imaginária de quem sempre foi sem poder ser.] Um terreno tão grande, um deserto que vai tão longe e ao horizonte do último olhar se exclui. E no fundo impera imponente o castelo, a casa de fundações fracas (ou fracassadas?)[Era nada, era nossa. Era nossa, era tudo.]

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Um clarão de céu e inferno ao mesmo tempo: com a mesma urgência que sobe, desce. Fecho os olhos e conto devagar quantos segundos tenho do relâmpago ao trovão. A brevidade é devastadora: tanto mais me destrói do que a eternidade. Tive cinco segundos de euforia, cinco segundos de plenitude, cinco segundos de sofrimento, cinco segundos de dor; tive cinco segundos para me sentir viva e cinco segundos para morrer.

domingo, 7 de junho de 2009

Agonia

Seu cheiro ainda estava no travesseiro. A sua imagem ainda estava refletida no espelho, ou seria dentro dos meus olhos? A cama estava arrumada; a louça, limpa; e um sorriso, estampado no meu rosto. Tudo em ordem. Cabia nos dedos de uma mão a contagem dos dias desde que ela partira. As flores ainda espalhavam beleza pela sala, o cheiro de bolo quente ainda impregnava a cozinha. Eu, sempre tão disperso, nem sequer percebera que agora estava sozinho. E como perceber se tudo continuava assim, no seu devido lugar? Desatento aos detalhes, encontrava comida na geladeira, o cinzeiro limpo ao lado da minha poltrona, os meus discos guardados ao lado da vitrola, e o preferido dela a tocar. Eu ainda podia sentir sua presença, mas minha senhora já não estava lá.

"Se fosse resolver iria te dizer: foi minha agonia. Se eu tentasse enteder, por mais que eu me esforçasse, eu não conseguiria. E aqui no coração eu sei que vou morrer um pouco a cada dia..."

A música agora já estava impregnada nas paredes, nos lençóis tão desarrumados, na geladeira tão vazia, na sala tão suja, na vitrola tão empoeirada e em mim tão nojento. Não sabia proceder sozinho e, após um mês de solidão, já não era capaz de ver vida. O sol já não entrava pela janela, as flores já não coloriam a casa, o meu cinzeiro transbordava, a louça abarrotava a pia. E da cozinha já não vinha o cheiro de bolo, somente o cheiro acre da minha solidão. Mas o disco dela ainda tocava aquela mesma música:

"... E a amargura e o tempo vão deixar meu corpo, minha alma vazia. E sem que se perceba, a gente se encontra pra uma outra folia..."

sábado, 30 de maio de 2009

É assim que eu te vejo:
Parado, de lado, absorto e só
Sem olhos para me olhar, sem ouvidos para me escutar, sem nada
...
É assim que eu me vejo:
Parada, de lado, absorta e só
Te olhando, te ouvindo, sonhando, sonhei


Escrito por Mariluce Almeida Weber, minha mãe, em meados de 1982.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Um segredo sagrado, uma vontade insaciada.
"Não hás de cobiçar a mulher do próximo."
Palavras de Deus gravadas em pedra no Decálogo.
Como se eu me importasse com religião.
Inexata Ciência do Sentimento, sou teu servo.

domingo, 24 de maio de 2009

Faço-te uma prece antes de dormir. Busco abrigo em teus braços, um apelo desesperado de zelo. No viés estreito em que te vejo somente sou capaz de ver o reflexo reluzente da tua alma. E ludibriada sacio-me de carinho inexistente e da tua santa proteção.
Eis que em dado momento anseio por mais, quero também eu ascender para ao teu lado estar. "Eleva-me" - eu te suplico. "Deixa-me subir ao teu lado. Meu devotado amor já não pode esperar, quero beijar os teus olhos de santa." Porém me olhas enternecida e nega.
Mas como posso eu privar-me de ti? Não entendo como podes negar tão sincero sentimento.
"Abre teu horizonte e verás que já me encontro próxima." - diz-me. Então olho nos teus olhos pela primeiríssima vez. E desta troca de olhares me escorre água benta. Enxerguei em ti horrendo pecado: um amor nosso que era tão somente meu.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Fui apenas um grão de areia em teu mundo. Já tu foste montanha para mim. Causei em ti apenas pequeno desconforto, culpa da minha aspereza de areia; talvez tenha aquecido o teu corpo ao segurar o calor do sol, mas ao cair da noite também eu esfriei.
Verdade é que não importa como se deram os fatos: o que fica de concreto é que o vento soprou e me levou para longe de ti sem que ao menos percebesses.
Enquanto isso tua existência é imponente dentro do meu ser. Te fixaste ao centro e fizeste de ti o meu Norte. Não posso mais ignorar tua presença se tudo o que eu faço é regido pela tua sombra. Mesmo que eu queira, és grande demais em mim para que eu saiba como perder-te.

domingo, 17 de maio de 2009

Deixaste-me sem perspectiva de retorno. Mas teu cheiro ficou em mim, assim como a tua saudade, assim como o meu coração que bate dolorido. Fecho os olhos e te sinto perto, abro os olhos e vejo que é só uma ilusão. Maldito perfume, maldita saudade. Tenho vontade de despir-me: jogar minhas roupas ao chão, jogar tua lembrança ao chão, jogar tudo o que eu sinto ao chão. No entanto, palpita pesaroso o meu coração e me diz que não. Diz-me ele que te deixe comigo, que sinta o teu perfume nas minhas roupas, próximo ao meu peito e que te queira mais e mais. Mesmo que eu saiba que não vais voltar, ignoro a voz da razão, escuto triste ao que me diz a emoção: anseio por tua presença como nunca antes. No entanto sei que não vais voltar, sei que já não te pertenço e que jamais te possuí. Somos caminhos cruzados em vias de sentido contrário: quero dar meia-volta e me juntar a ti.


[escrito em 08 de abril de 2009.]

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Platonismo

Escorrego meus olhos pelo teu corpo
Te analiso, te decifro
Mas não ouso olhar-te nos olhos.

Sussurro o teu nome
Que sai de sai mim, que cai de mim, que foge de mim
Mas não ouso chamar-te.

A ti:
Te imagino, te procuro, te acho, te quero
Mas não ouso possuir-te.